Fechar Menu
Abrir Menu

Casa do Risco

A Casa do Risco é o ponto de encontro dos apreciadores do bordado por excelência. Está sedeada na freguesia de Airães e tem como missão a promoção e certificação do Bordado Terra de Sousa e a proteção e valorização das bordadeiras, contribuindo para a consolidação do artesanato como fator de empreendedorismo e impulsionador do desenvolvimento económico da região.

Das mãos de fada das mulheres de Felgueiras saem genuínas obras de arte em bordado certificado da “Terra de Sousa”, fruto de um saber que se consolidou de mães para filhas ao longo dos tempos.

No cimo de uma portela que domina dois imensos vales, o do Sousa e o do Tâmega, desenvolveu-se, pelos finais do século XIX, uma importante produção de bordados, tão espantosa quanto desconhecida, tão importante quanto ignorada.

Foi por aqui, de um lado e doutro da velha Estrada Real que ligava o Porto a Trás-os-Montes, que se estabeleceu e definiu, há mais de cem anos, a área onde se encontra o maior número de bordadeiras em Portugal Continental.

Em locais como Figueiró da Lixa, no concelho de Amarante, Airães, Aião, Vila Verde, Lixa ou Santão no concelho de Felgueiras, Torno, Meinedo ou Caíde de Rei, no concelho de Lousada, enfim por todas as freguesias que confinam com a portela do Alto da Lixa, gerações de bordadeiras acumularam, ao longo de mais um século, as tarefas próprias da vida doméstica e familiar com a atividade de bordar, definindo aquela que é, no Continente, a mais importante região produtora de bordado e que, ainda nos nossos dias ocupará, seguramente, mais de mil e quinhentas bordadeiras.

Segundo um texto de 1913, o bordado dito “da Lixa”, ter-se-á iniciado na freguesia de S. Tiago de Figueiró.

Todavia rapidamente se terá espalhado por todas as freguesias limítrofes ocupando, desde há muito, a sua atual área de ocorrência. As cidades do Porto e Guimarães terão tido um relevante papel na organização e estruturação do mercado deste bordado, do que decorre o facto do Bordado de Terra de Sousa nunca ter cristalizado numa imagem que lhe desse uma identidade óbvia. Pelo contrário, a sua identidade reside na sua versatilidade e extrema adaptabilidade a um mercado que foi sempre urbano.

Ao estudar este bordado encontra-se, de facto, um caleidoscópio de imagens onde, no entanto, se podem observar os sinais específicos que o distinguem de outros bordados.

À extraordinária técnica da bordadeira da Terra de Sousa, que borda com o tecido cosido àquilo a que chama o papelão – uma solução única, de um engenho inultrapassável – corresponde um domínio das técnicas de bordar que não encontra qualquer paralelo nas outras regiões portuguesas produtoras de bordado, Região Autónoma da Madeira incluída.

Não serão todas, mas as boas bordadeiras da Terra de Sousa, muitas mais do que se imagina, dominam mais de 200 diferentes pontos de bordar. Dominam e dominam muito bem. Com uma maestria que só encontra equivalência na sua espantosa discrição.

A bibliografia sobre artes tradicionais portuguesas é, em geral, particularmente escassa e poucos foram o que escreveram sobre o bordado. No caso da Terra de Sousa a situação é tanto mais espantosa quanto, como se irá ver adiante, com mais detalhe, se conhece uma citação de 1913 em que Figueiró já é reconhecido como centro de indústria de bordados.

Neste contexto uma das exceções mais notáveis foi Maria Clementina Carneiro de Moura que escreve, num dos seus mais importantes artigos (1): “Onde o Minho confina com o Douro, assiste-se a uma autêntica florescência de atividades artesanais. Lixa e Felgueiras são presentemente centros importantes de crivos e bordados sobre rede de nó”.

Mais à frente (página 102), no mesmo artigo, refere, “(…) tantos outros bordados a branco do continente (Guimarães, Ponte do Lima, Vizela, Barcelos, Figueiró, Lixa, Lageosa, Tibaldinho e Alcafache) (…) que, em última análise, se aparentam todos com o clássico bordado inglês que se generalizou por toda a Europa, a partir do século XVI, com a designação de ponto cortado”

Quase vinte anos antes (2), esta mesma autora já havia escrito “(…) Felgueiras, (…), Lixa (freguesia de Figueiró da Lixa), na freguesia de S. Tiago de Figueiró, etc., são também localidades onde as mulheres do campo (…) bordam os crivos que afluem ao mercado de Guimarães”.

Também Manuel Maria Calvet de Magalhães (3), distingue, referindo-se aos bordados de Guimarães: “Os bordados de crivo, de Guimarães, mantém ainda este nome, embora se executem, atualmente, fora da cidade, em especial nas povoações de Lixa, na freguesia de S. Tiago de Figueiró, Felgueiras, etc.”.

Com o intuito de estudar o bordado, Clementina Carneiro de Moura nunca terá visitado a região, não se tendo apercebido que a localidade da Lixa pertence à freguesia de Vila Cova da Lixa (concelho de Felgueiras) e que Figueiró da Lixa é um lugar da freguesia de S. Tiago de Figueiró (concelho de Amarante). Muito ligada à divulgação dos bordados ditos “regionais”, através dos programas de ensino das Escolas Técnicas, Clementina Carneiro de Moura estaria mais interessada no “Bordado de Guimarães”, que na extraordinária produção de um bordado que foi sempre definido em função de um gosto cosmopolita e urbano, enfim, um bordado que não era “típico”, que não se colocava no mesmo patamar onde brilhavam produções como o Bordado de Castelo Branco ou o inventado (1931) Bordado de S. Miguel – Açores. Daí que ela mencione a produção de Lixa e Figueiró na perspetiva das suas ligações ao “Bordado de Guimarães”, ignorando o principal (4).
Calvet de Magalhães identifica melhor a área e menciona as atividades que lhe estão associadas mas, na verdade, tal como a sua colega, pouco ou nada problematiza, quanto à origem ou filiação destes diferentes bordados ou, pelo menos, da peculiaridade da sua ocorrência. De facto, porquê Figueiró? Porquê Lixa? Porque razão estes lugares e não outros?

Sobre este assunto António Teixeira de Sousa (5)  apresentou uma explicação muito plausível relativamente à origem e filiação do bordado que, desde há tanto tempo, se produz na área da Lixa e escreve: 

“As senhoras dos solares e das casas solarengas desta região (minhota) tiveram, portanto, um papel de relevo na implantação local e no desenvolvimento desta indústria doméstica. Este facto pôde ser, aliás, confirmado pelo testemunho direto de pessoas muito idosas e, também, pela descoberta de bordados com carácter erudito ou semierudito, desenhados e produzidos por mulheres do povo, totalmente analfabetas.“ Refira-se, a título de exemplo, o papel desempenhado, no âmbito dos bordados, pela Casa do Castelo, (…), situada em S. Tiago de Figueiró, muito próxima da Lixa. § (…) Segundo nos informaram os seus proprietários e algumas bordadeiras octogenárias, que vivem nos arredores, antigamente as filhas dos caseiros das quintas que pertenciam aos domínios da Casa do Castelo, quando demonstravam capacidades superiores às normais na arte dos bordados, passavam a trabalhar na casa dos Senhores onde se dedicavam, apenas a bordar.”

No mesmo sentido, da antiguidade da produção de bordado nesta zona, vai um artigo de A. L. Carvalho, publicado no II volume dos “Mesteres de Guimarães”, em 1941, em que este autor depois de citar um relatório de 1884 (6), pelo qual se fica a saber que naquele ano o bordado de Guimarães empregava 747 pessoas “produzindo trabalho anual no valor de 45 contos de réis”, prossegue mencionando um texto de 1913, da autoria do Eng. Manuel de Melo Geraldes, em que este escreve: “…Muito naturalmente perguntamos a nós próprios porque se localizou esta indústria nessa região tão pobre e retirada, que é Figueiró da Lixa”. Teixeira de Sousa avançou com elementos que permitem, com a certeza possível, responder a esta pergunta. Mas a razão da manutenção e desenvolvimento desta “indústria caseira”, como noutros tempos se dizia, suscita todo um outro tipo de questões. 

Explicar a origem de um saber, ou o início de uma atividade económica, não explica a transformação dessa competência num negócio de sucesso, desenvolvido ao longo de mais de um século, em múltiplas empresas. Com efeito, se o reconhecimento da antiguidade desta área de produção e sua provável origem em Figueiró não oferecem, aparentemente, muitas dúvidas, permanece por clarificar a razão da sua permanência e expansão, tema que adiante se voltará a abordar.

(1) MOURA, Maria Clementina Carneiro de – “Tapeçarias e Bordados” , in Arte Popular em Portugal, III volume, página 70, Verbo s/d. (196?)
(2) MOURA, Maria Clementina Carneiro de – Livro Âncora de Bordados nº1 – Bordados Tradicionais de Portugal, (página 34), Porto, s/d (1949).
(3) MAGALHÃES, Manuel Maria Calvet – Rendas e Bordados de Portugal, Coleção Educativa, Série N, nº 10, Campanha Nacional de Educação de Adultos. s/d (1956). Reeditado pela Vega, Lisboa, 1995. 
(4) Outra referência sobre o bordado do “Douro –Litoral”, como então se dizia, encontra-se na monumental obra “As Mulheres do Meu País” (1948-1950) de Maria Lamas, onde esta refere: “Bordadeiras e Rendeiras – São profissões a que se dedicam muitas aldeãs do Douro Litoral. Trabalham em casa, por conta de pessoas que têm o seu negócio organizado, fornecendo os estabelecimentos das terras mais importantes do País. Principalmente em toda a região da Lixa, Figueiró e Fregim, para os lados de Amarante, borda-se muito a crivo, ponto de cruz e outro bordado de fantasia.” pg. 138, 2ª edição, Ed. Caminho. Lisboa, 2002.
(5) SOUSA, António Teixeira de – Bordados e Rendas nos Bragais de Entre Douro e Minho. Página Ed. Programa das Artes e Ofícios Tradicionais, 1994. 
(6) Trata-se do Relatório da Exposição da Exposição Industrial de Guimarães em 1844, cuja edição fac-similada, a Muralha – Associação de Guimarães para a Defesa do Património, publicou em 1991.

Bordado Terra de Sousa

Não é fácil apresentar os pontos de bordado  feitos na área onde se produz o Bordado de Terra de Sousa. E não é fácil por muitas e variadas razões donde se salienta, em primeiro lugar, a dificuldade de o fazer em Português. Com efeito a análise das técnicas de bordar pressupõe o recurso a um vocabulário especializado, que contemple um conjunto alargado de pontos e que, ao mesmo tempo, seja universalmente reconhecido e utilizado! Ora tal não acontece no contexto da Língua Portuguesa, pois nunca existiu uma obra, suficientemente completa e organizada, que vertesse para Português os nomes dos mais de 300 diferentes pontos de bordar que se conhecem, devidamente inventariados e apresentados, consultando a bibliografia existente noutras línguas, nomeadamente em Inglês.

Mesmo os pontos mais comuns se apresentam, de região para região, com nomes diferentes. Para dar dois exemplos: na Madeira ninguém conhece o “ponto cheio” senão por “bastido” e o “ponto pé de flor”, que, em Tibaldinho, se chama “ponto de pé a fugir” ou ponto “a fugir”, em Viana do Castelo, “cordão” ou “ponto de haste”, na Madeira toma o nome de “ponto de corda”. Não surpreende assim que, sendo desta ordem as variações existentes em pontos tão banais, a confusão seja total quando se trate de pontos menos vulgares. Na origem deste problema encontra-se, pois, o facto de nenhuma das obras de referência que existem em Francês e em Inglês ter sido traduzida a tempo de influenciar o vocabulário português banalmente utilizado na atividade de bordar, situação que, entretanto, se alterou pois que, desde 2000, existe uma tradução de um Dicionário de Pontos da autoria de Lucinda Ganderton, editado pela Livraria Civilização Editora. Todavia a tradutora deste livro, perante o vazio lexical existente e sabendo pouco ou nada de técnicas de bordar, traduziu de forma literal, não aproveitando aquilo que, apesar de tudo, ainda se pode encontrar na Língua Portuguesa. Para dar um exemplo running stitch foi traduzido por ponto corrido. De facto em Inglês “to run” significa “correr”, mas o dito running stitch em bom Português chama-se, em contexto de costura, alinhavo e, em contexto de bordado, ponto adiante. Percebe-se, pois, que ainda não foi desta vez que o problema fica resolvido sem se aumentar a confusão. De qualquer modo, mesmo que aquela obra signifique um avanço relativamente à situação que se vivia, ainda não houve tempo de os seus efeitos (os bons e os menos bons…) se fazerem sentir.

Mas não foi só o facto de nunca ter existido em Português uma boa obra de referência que levou a esta situação, pois parte do problema reside naquilo que, entretanto, se foi difundindo: veja-se o caso da simpática e popular revista “Para Ti”, publicada mensalmente desde Agosto de 1952 e que, de número para número, dá, ao mesmo ponto, designações diversas (1) ou que dá o mesmo nome a pontos muito diferentes.

Mas outras razões existem ainda a dificultar a apresentação dos pontos usados no Bordado de Terra de Sousa. Em qualquer região produtora de bordado encontra-se, caracteristicamente, uma certa gramática decorativa, cuja especificidade é sublinhada pela correspondência, a cada motivo, de um determinado conjunto de pontos que realizam o respetivo bordado. Significa isto, a par com as exigências técnicas que muitos pontos colocam, que a regra geral nos centros produtores de bordado é ser bastante reduzida a panóplia de pontos empregues. Por exemplo, na Madeira, o maior e mais antigo centro produtor português e um dos mais prestigiados e conhecidos a nível mundial, o conjunto de pontos apresentado na melhor obra sobre aquele bordado identifica 19 diferentes pontos (2). Também em Tibaldinho foi detetado um número semelhante de pontos de bordar (3).

Já em Castelo Branco, onde se continua a produzir, em bastidor, um bordado especialmente rico, foram recentemente inventariados, nas peças históricas, 71 diferentes pontos, embora o conjunto de pontos que se tenha popularizado no seu relançamento, a partir dos anos 30 do século passado, seja, significativamente, mais reduzido.

Sendo esta a realidade mais comum, espanta duplamente o que se verifica na Terra de Sousa. Já houve ocasião de referir a profunda diferença técnica que esta área apresenta relativamente a todas as outras, quer nacionais quer estrangeiras. Nunca será demais sublinhar que é na sua diferente técnica de execução que radica toda a individualidade deste centro produtor. Não é que um determinado ponto, como por exemplo o ponto cheio não possa ficar igualmente bem feito sem o auxílio do papelão ou de qualquer outro tipo de bastidor, a questão não é (só) essa. A questão é que dificilmente se encontraria este mesmo ponto acompanhado por tantos outros ou servindo-lhes mesmo de base, na elaboração das difíceis composições que caracterizam o Bordado da Terra de Sousa, se não fosse essa circunstância.
A característica mais extraordinária do Bordado da Terra de Sousa diz assim respeito à manutenção de um alargadíssimo leque de possibilidades técnicas, mais de duzentos diferentes pontos, que as boas bordadeiras executam com bastante facilidade.

(1) No nº 140 de Março de 1964 aparece, num desenho, o esquema do “ponto de galo entrelaçado”; o mesmo ponto, aparece esquematizado no nº294 de Janeiro de 1977, agora com a legenda “ponto entrelaçado”. No nº 290 de Setembro de 1976 aparecem os desenhos relativos ao” ponto de recorte” e “recorte largo”. Passados três meses, no nº 293, relativo a Dezembro, os mesmos desenhos têm uma única legenda: “ponto de festão”… 
(2) WALKER, Carolyn, HOLMAN, Kathy – The Embroidery of Madeira. The Union Square Press, USA, 1987. 
(3) Bordado de Tibaldinho, Catálogo de Exposição, Museu Nacional do Traje com Câmara Municipal de Mangualde. Instituto Português de Museus, Lisboa, 1998.

As bainhas abertas constituem, como os crivos, um trabalho em que, previamente, se retiram fios ao tecido. Mas enquanto que nos crivos, quase sempre, se retiram fios da trama e da teia, e predomina o trabalho em superfícies em que nenhuma direção prevalece sobre outra, nas bainhas só se retiram os fios numa dada direção, paralela ao correr do trabalho e do modo como este se desenvolve.

Na nomenclatura local, sempre difícil de definir ou estabilizar, pois entre quatro bordadeiras da mesma terra é banal ouvirem-se quatro versões… existem, basicamente dois “pontos”: o ponto a direito e o ponto cruzado. Com estas designações pretende-se colocar em evidência o facto de, no ponto a direito se manipularem conjuntos de fios que são os mesmos que correm de cima a baixo do trabalho. No ponto cruzado, tal não acontece e o trabalho parece feito em viés ou na diagonal em pata de galinha, no dizer das bordadeiras.

Quem faz bainhas abertas geralmente especializa-se neste tipo de trabalhos. Embora muitas bordadeiras tenham aprendido a bordar outros pontos, quando se dedicam às bainhas abertas, dificilmente deixam de as fazer. Vê-se que têm uma particular estima por este trabalho que não lhes exige o papelão, e o coser e descoser o tecido que o seu uso acarreta e que, depois dos fios tirados, se faz bastante depressa, quando comparado com outros tipos de bordado.

Como o nome indica, durante muito tempo, as bainhas constituíam uma técnica que, sobretudo, valorizavam os acabamentos de toalhas e lençóis, embora desde sempre, tenham sido usadas num contexto decorativo mais amplo, como por exemplo a definir centros de mesa. De há uns quinze anos a esta parte têm, contudo, ganho grande ascendente e, nos nossos dias, fazem-se bainhas abertas em quantidades e expressão verdadeiramente extraordinárias.

A esta moda não será indiferente o seu carácter mais abstrato, menos figurativo, eventualmente, mais adequado à uma sensibilidade e gosto contemporâneos. A produção de Bordado de Terra de Sousa, se tem problemas técnicos, com alguma importância, na transposição dos riscos para o tecido, ainda os tem mais agudos no que diz respeito à renovação dos desenhos. Nota-se aqui, salvo honrosas exceções, um gosto pouco informado e exigente o qual, traduzido em bordado, afugenta uma clientela mais sofisticada ou que não aprecia desenhos nostálgicos ou revivalistas. Esta mesma clientela, quando sensível ao conforto de uma fibra natural como o linho e ao discreto luxo de uma toalha bordada compra, mais facilmente, peças decoradas com bainhas abertas, que outras cujos bordados com motivos que nada lhe dizem. Por outro lado, as bainhas abertas tornam-se especialmente apropriadas em peças como cortinas ou cortinados, pois jogam numa transparência que, no entanto, é mais aparente que real.

Um bordado corresponde a uma técnica decorativa em que um suporte, geralmente de natureza têxtil, serve de base à aposição de fios, os quais são trabalhados e aí introduzidos mediante o auxílio de uma agulha. Ao contrário das rendas, que correspondem à realização de um novo tecido, o bordado exige a preexistência dessa base que se pretende enfeitar e valorizar.

Até ao século XVI, as oficinas de bordado eram, por toda a Europa, quase exclusivamente constituídas por homens, pois que se tratava de bordar – com materiais muito ricos, como ouro, seda ou a prata, sobre tecidos raros e dispendiosos – as vestes sumptuárias da mais alta hierarquia da nobreza e do clero, o que exigia crédito e capitais. A situação começou a mudar, talvez ainda pelo final do século XV e as técnicas utilizadas pelos brosladores começaram a difundir-se pelos interiores domésticos, transpondo para o trabalho com fio de linho, e para as mulheres, as técnicas que até então só se encontravam naquelas oficinas.

No entanto, até àquela época, a única técnica que hoje também se integra no vasto domínio do chamado bordado a branco é um trabalho que aparece em várias toalhas de altar, decoradas com base em desfiados e crivos passajados, encontradas na Suíça e Alemanha do Sul, alguns exemplares datando ainda do século XIII, o chamado Opus Teutonicum (1).

É que, por vezes, num bordado é tão ou mais importante o que se lhe junta, como aquilo que se lhe retira, e é neste princípio que se fundamenta o esforço da produção de crivos. As bordadeiras de Terra de Sousa, mais uma vez fazem jus à sua diligente habilidade e os crivos constituem mais um conjunto de técnicas que dominam na perfeição.

(1) Schuette, Marie e Muller-Christiensen, Sigrid, La Broderie, pág. 18 e 19, 34 e 35. Ed. Albert Morancé, Paris, 196?

O desafio de apresentar tantos e tão diversos pontos de bordar esbarrou ainda numa acrescida dificuldade: o facto de todo o ensino ter sido feito, até há vinte anos atrás, em contexto familiar, no reduzido espaço doméstico ou vicinal, reduziu ao mínimo as necessidades de uma nomenclatura própria. Não era preciso nomear ou escrever nada (aliás muitas das bordadeiras seriam analfabetas – vejam-se os índices de analfabetismo das mulheres mais idosas): era só olhar e aprender a fazer com a ajuda da mãe, da tia, irmã mais velha ou vizinha.

É assim que a falta de um léxico específico que acolha, em Português, todos os diferentes pontos de bordar, se reforça, na Terra de Sousa, com o facto de uma larga maioria de pontos não ter sequer nome próprio. Além de um reduzido conjunto de pontos que conseguem individualizar pelo respetivo nome, para as bordadeiras todos os outros cabem, indiferenciados, em amplas categorias como espinhas, crivos, bainhas, pontos reais, pontos de fundo ou adamascados. No contexto do presente trabalho pediu-se a Emília Magalhães e a Ana Carolina Silva que fizessem todas as amostras de todos os pontos que conhecessem. Já o trabalho estava a ser desenvolvido foi-lhes sugerido que talvez devessem ficar pelos 150 pontos. Quando tal foi dito, riram-se e começaram a contar os pontos já feitos, um número que já ultrapassava os 180… mas estas mesmas bordadeiras são incapazes de individualizar, pelo nome, qualquer uma das espinhas ou crivos que bordam como ninguém!

Na apresentação de pontos de bordar existem três critérios possíveis de serem utilizados: podem-se ordenar por ordem alfabética do nome, podem-se organizar pelos contextos de utilização ou, ainda, podem-se apresentar pelas semelhanças técnicas e de execução.

O primeiro critério é aquele que, mais recentemente, tem vindo a ser utilizado, encontrando-se, sobretudo, em sites da Internet (1). O segundo critério, o mais comum, privilegia a função que, potencialmente, cada ponto desempenha na concretização de um determinado desenho. Nestes casos a apresentação dos pontos considera aqueles que são mais apropriados para contornos, cercaduras, a encher fundos, etc.
O principal problema nas classificações deste tipo reside no facto de um determinado ponto de contorno, como o ponto pé de flor ou o ponto de cadeia, poderem ser usados, se feitos em muitas carreiras encostadas umas nas outras, como pontos de fundo… ou seja, nem sempre é fácil definir a utilização mais direta de um ponto, pois quase todos os pontos podem ser utilizados em contextos muito distintos, tal como adiante se verá, exemplarmente, no Bordado de Terra de Sousa. No caso destas classificações também acontece que, geralmente, lhes sobram uns pontos, mais difíceis de arrumar…

Provavelmente, um dos melhores livros que existe, baseado neste tipo de critério, é o Mary Thomas’s Dictionary of Embroidery Stitches. A primeira edição, inglesa, é de 1934, mas tem sido frequentemente reeditado, quer no Reino Unido quer nos Estados Unidos onde, em 2001 (Trafalgar Square Publishing), saiu uma das últimas edições. Também é neste critério que se baseia o já referido Dicionário de Pontos traduzido em Português.

O sistema mais interessante, porque mais lógico, é aquele que se fundamenta na técnica de execução, nos movimentos básicos que definem a concretização de cada ponto de bordar. Apelando a um critério de uma inequívoca racionalidade, torna a apreensão dos pontos mais clara, mais fácil, dando à potencial bordadeira toda a liberdade de os utilizar como melhor o entender. Talvez porque exija uma extraordinária compreensão da técnica de cada ponto, são mais raros os livros que o adotam.

Um deles, e um dos mais antigos, é o de Mrs. Archibald Christie e serve de base ao grupo de trabalho constituído no âmbito do CIETA (Centre Internationale du Textille Ancien – Lyon) que, reunindo especialistas em têxteis, de museus de toda a Europa, está a organizar um vocabulário europeu para o bordado. O seu índice ilustrado está presente no site do CIETA (2). Um outro livro, mais recente e fácil de obter, Encyclopedia of Embroidery Stitches, foi publicado pela primeira vez nos Estados Unidos em 1974, tendo, a partir dessa data, conhecido sucessivas reedições (3).

Todavia, não pretende-mos substituir – passe o paradoxo – a um inexistente Manual de Bordados e, embora se considere importante e o mais razoável o critério da semelhança técnica, a apresentação dos pontos que aparecem no Bordado de Terra de Sousa far-se-á tendo em conta, sobretudo, a sua ocorrência, a frequência com que são utilizados o modo como lhe conferem uma inequívoca identidade. Enquanto a imagem e identidade do bordado produzido noutros locais vive da íntima associação dos motivos e padrões aos pontos em que estes são bordados, aqui é a própria utilização dos pontos em si mesmos que confere uma personalidade específica e singular a esta produção.

É assim que, mesmo neste Bordado que varia (e bem) ao sabor das modas, é possível encontrar alguns elementos mais distintivos, que lhe dão carácter e que, num futuro processo de certificação, deverão ser trabalhados no sentido do reforço da sua expressão. Tal é o caso dos ilhós, das aranhas e das plantas e respetivos sombreados.


(1) Veja-se, por exemplo, o excelente site: http://inaminuteago.com
(2) http://www.annatextiles.ch/
(3) NICHOLS; Marion – Encyclopedia of Embroidery Stitches, including Crewel. Dover Publications, Inc. New York

Ao contrário do que é a regra nas áreas onde, tradicionalmente, se borda para um mercado, o Bordado da Terra de Sousa, mal definiu, ao longo de mais de um século, um conjunto de motivos a que se possa, em rigor, considerar “típicos”, no sentido em que tal perspetiva é aplicada noutros bordados, ou seja do seu fácil e imediato reconhecimento. Nesta produção a sua característica mais identificadora consiste na raridade e riqueza dos pontos empregues em muitos dos seus bordados. Infelizmente não em todos os trabalhos o que não significa que um olhar mais treinado não os distinga de outros, nomeadamente do bordado vindo do Oriente.

No contexto do processo de certificação que se desenvolveu, foi tida em vista a promoção do Bordado da Terra de Sousa perante um público cada vez mais confrontado com sucedâneos de inferior qualidade e preço, devem os produtores do Bordado da Terra de Sousa saber acentuar e reforçar aquilo que os distingue de outros, nomeadamente a demonstração da sua versatilidade técnica sem rival no Mundo.

Processo de certificação. Virtualidades e Limites

O significado de um processo de certificação para uma produção como bordado não é claro para um grande número de pessoas. Na realidade trata-se aqui de transpor para produções artesanais conceitos já utilizados, com merecido sucesso, para produtos agroalimentares.

A demarcação, nos finais do século XVIII, da Área Demarcada do Douro, tornou claro, desde então, a íntima relação entre um território e as propriedades e características dos produtos que aí se cultivam, que, sendo clara nas produções agroalimentares, também existe noutras produções em que os saberes tradicionais e a especificidade de que se revestem os seus resultados num determinado local implicam a definição de uma dada imagem a qual, a partir de aí, identifica o próprio local. É esta marca identitária que o conceito de certificação de um dado bordado pretende traduzir e salvaguardar.

É que, embora seja a realidade da produção do Bordado da Terra de Sousa, tal acontece no contexto mais restrito do processo de certificação, para este bordado. Assim o estudo das suas características só contemplou aquele bordado passível de certificação, aquele bordado que se defina de um tal modo que o torne inconfundível perante outros, pois só o facto de ser único e singular o tornou objeto de certificação.

Significa isto que alguma produção de bordado desta área, que não apresenta quaisquer especificidades que a possa singularizar (tais como pontos ou associações de pontos de bordar, materiais, cores, motivos), situação que, se compreensível, incómoda, pois o mesmo é dizer, que algum do melhor trabalho que se faz na Terra de Sousa não seja catalogado como Bordado da Terra de Sousa.

Os casos mais notórios dizem respeito ao trabalho que é feito com recurso ao ponto de cruz e ao ponto de Assis. Nalguns casos (não todos, infelizmente) tal injustiça dói particularmente pois as oficinas mais envolvidas na sua produção atingem uma extrema qualidade. Infelizmente, trata-se de bordado que não é passível de certificar pois, ainda por cima com a voga que atualmente conhece o ponto cruz, que é feito por todo o lado, torna-se ainda mais difícil evidenciar a específica ligação deste tipo de bordado a um determinado território. Por maioria de razões, torna-se impossível certificar um trabalho feito. Em Portugal, com recurso a um ponto que até tem o nome da sua cidade de origem: Assis, na Itália.

O desafio consiste agora em manter a contínua reinvenção característica deste bordado.
Podemos escolher uma ou outra característica que permita a um utilizador menos informado identificar o bordado, pelo sublinhar de expressões plásticas (como a variedade de crivos e dos pontos utilizados nos fundos, o uso de nozinhos e do sombreado, a presença dos canutilhos e das bainhas abertas sem esquecer os fabulosos pontos reais) ou pelo uso de um ou outro motivo muito próprio desta área, estar-se-á reforçar quer a qualidade, quer a definição da imagem de um bordado há demasiado tempo desconhecido.

Num mundo globalizado, em que tudo é igual em toda a parte, cada dia que passa, a diferença traduz a profunda necessidade de identidade e de ligação a territórios de afeto.

O Instituto Nacional da propriedade Industrial, proferiu no dia 2011/09/06 o despacho de concessão do processo de registo de DEN. DE ORIGEM / IND. GEOGRÁFICA Nº 185 BORDADO TERRA DE SOUSA, tendo sido publicado no Boletim da Propriedade Industrial em 2011/09/09.

Catálogo de Pontos do Bordado Terra de Sousa

  • CONTACTOS

Telefone: 255 488 811
E-mail: casadorisco@casadorisco.pt 

  • LOCALIZAÇÃO

GPS 41º18’57” N, 8º11’41” W
Rua da Liberdade, nº 1285
4650-092 Airães

  • HORÁRIO
2ª feira a sexta-feira9h00 às 12h30 e 14h00 às 17h30
Fim de semana e Feriados Encerrado